sexta-feira, 23 de março de 2012

Pincéis

  É no silêncio que você ouve a melodia da chuva. Sendo cego vê-se a beleza. Mentes rotineiras tampam minha visão e meus ouvidos, ouço que o belo está atrás da multidão que grita futilidades. Calo-me, pois sei que o silêncio ouve.
  Se encontrar perdida, procurando apenas uma terra firme num mar de desesperos. Até onde os ventos nos levarão? Centenas de faces opostas procurando atenção. "O morto é o novo vivo", me disseram. Talvez por isso tudo esteja tão falso, como flores de plásticos e cérebros alheios.
  Só a dor me ouvia, senti uma nova amiga. Uma alegria na tristeza, um ponto de paz no caos, uma vida impermeável na morte, talvez...
  Sinos tocavam por todos os lados, me lembravam melodias. Então o verdadeiro se tornou falso para mim. Todos os minutos de um relógio marcaram o novo dia. Talvez uma nova vida, talvez a vida. Mas no fim, viver na morte é quase como não viver.
  Talvez amanhã os corpos estarão todos mortos, mas vivi hoje, e hoje vivi. E cada segundo que se respira se torna eterno; depois do primeiro passo é hora de correr.
  A areia na ampulheta corre com pressa, não nos espera. Mas o ritmo dos corações é o mesmo. Sem pressa  ou medo, batemos como um só. Um coração em cem corpos.
  A vida incomoda a morte, como a morte incomoda a vida. Mas no conflito há beleza. Então mortos e vivos dançam, cada um ao seu modo. Ouve a música quem pode, vê a beleza quem enxerga. E os cegos e mudos apenas falam como se não houvesse razão naquela loucura. Tão cheios de si. Como se o universo fosse o que eles conhecem e como se não passassem de bonecos, marionetes. Se acham donos.
  Me assento ao canto, e vejo a dor cantar a felicidade. Abaixo de um belo céu acinzentado, com nuvens pintadas pelos mais leves toques de pincéis. Absorvo a morte e a vida, as virtudes e os defeitos, aprendo a dança. E agora sou a principal da minha peça.