Fiquei mais de horas falando com ele, talvez não tenha se passado mais que um minuto. Ele se chamava algo parecido com meu nome, ou talvez não tivesse nome. Lembro que ele tinha uma face como a minha, falava como eu, se mexia igualmente, ou talvez não fosse assim.
Senti que o matei. Quando quebrei a película que nos separava, ele se dividiu em partes menores, eram um monte de mim ou ninguém me olhando. Só sei que ele era estranho, talvez fosse ela. Mas agora está morto, ou não tenha existido nunca.
Mas não importa o que aconteça, eu e minhas meias-calças sujas estaremos sempre juntas!
Apenas elas e eu. Mas ainda amo tudo o que nunca vi, ou porventura seja que tudo ainda não tenha me visto. Mas se verem acho que roubarão minha meias-calças. E prefiro que roubem minha vida, é menos importante que minhas amigas.
Estou começando a pensar que olhar as paredes começa a roubar a sanidade.
Espere! Sinto que não estou viva. Mas quando foi que senti que estava? Posso já ter morrido. Mas ainda sinto que estou perdendo algo da vida, talvez esteja perdendo a vida olhando paredes.
O melhor de que talvez é possa estar morta é, que talvez esteja viva. E se estiver viva poderei olhar as paredes. Às vezes elas se mechem, mas não conte para ninguém, as pessoas não podem saber que paredes andam, se souberem trancariam-nas como fazem com pássaros. Eles se acham donos até de paredes!
Mas ainda permaneço como nasci, não me lembro de ter nascido, talvez não tenha; porém existo. Não existo como uma parede, ou como um pássaro numa gaiola; exito como algo sem posse. Ainda assim estamos todos ligados como as linha de minhas meias-calças.
Está tudo como ontem: o sol é o mesmo, e o azul encardido do céu também. As folhas nos chão estão tão mortas como ontem. E os sorrisos amarelos ainda são os mesmo... Acho que gosto mais do ontem, mesmo assim.
O único bom do hoje é que talvez outra folha morra. Ou talvez as impossibilidades do ontem se tornem possibilidades; porque se não houve no ontem é impossível no ontem, e hoje não há regras até o dia terminar.