sábado, 25 de julho de 2020

O Relógio

Seu rosto era como se a gravidade a tivesse socado
Aqueles olhos perdidos dançavam
Procurando uma resposta no céu
Os pés fora do chão, enfiados numa nuvem líquida

Ombros cansados, curvada sobre ilusões
Ela passava pela rua,
Em todos os fragmentos do tempo de uma vez
Como se não passasse

Nem a dor a alcançava
Com a alma perdida em alguma data
Ela corria atrasada para o passado

Ridiculamente beijava um fantasma
De um homem que não existiu
O chamava para valsar
Esperando o seu "não"

Tentava se segurar
Enquantos as horas caiam sobre ela
Como dominós

Tomava café com a morte
Tinham conversas desinteressantes
Suas unhas caiam nas xicarás
Ela as engolia junto com algumas palavras

Não sei se viveu
Mas nunca deixou de existir
Todos os momentos do tempo
Ela passa pela rua

O que te disseram para dizer

Você diz que me ama
Mas você nunca olhou para mim
Você nunca me viu
Sem seu véu de projeções

Eu vejo seu sangue no chão
Escorrendo da sua boca e peito
Como um vidro que se parte ao beijar o chão
De novo e de novo

Consegue me ouvir chorar?
E quando eu sinto tanta dor que me machuco?
Consegue sentir meu corpo falecer nas suas mãos?
Você só me vê sentada a te olhar e sorrir, não é?

Os seus lábios desincronizado do coração
Vomitando as mesma palavras
Sem nunca se ouvir
Se afogando nelas como se fossem de verdade

Eu já morri há tanto tempo
E você continua a vestir-me
E a me dizer boa noite