sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Aquela que não enxerga

Os dentes se apertavam

Se fazia força para abrir as mãos

As palavras asperas se jogavam da boca numa avalanche

E se dispersavam pelo ar como bombas atômicas


O sangue que saía da língua

Alimentava o próprio corpo


Se passaram dias, meses, séculos

E continuava a observar os olhos opacos

Sem conseguir perceber a grandeza do outro


Num labirinto para se achar

Voltando inconscientemente aos mesmos olhos

Que choravam aos seus pés

Querendo ser sentir existentes


Mas não olhava para trás ou para baixo

Sua visão era como uma flecha

Que não prestava atenção nem no ar que rasgava


E mesmo a dor de perfurar e ser perfurada

Mesmo os berros que chicoteavam os ouvidos

Eram apenas ondas invisíveis de medo 

Que manipulavam subliminarmente


A pele irritada, vermelha, machucada

Separava os dois ou mais seres

Que brincavam de se apunhalar sorrindo

Pois eram um do Todo

Mas escreviam com mãos opostas


A noite se tornou fria

E fez-se uma fogueira com seus cabelos

Seus ossos se dissolveram com o Sol

Que pelo contraste mostrava uma nuvem de poeira

A qual os atômos dela se misturaram 

Para formar uma montanha

Para que os pés daquela que É um dia pisar