domingo, 12 de dezembro de 2021

Vital

Eu abro os olhos

É como se eu o visse pela primeira vez de novo

Aqueles olhos escuros

Que trazem uma familiaridade tão intrínseca

Eu já os vi há milhares de vidas, em milhares de corpos


Uma corrente elétrica envolve nossos corpo

Uma conexão tão forte e grandiosa

Serena, silenciosa

Que ainda assim, cabe em um olhar


E a calma reina em mim

Como ter reencontrado um pedaço

De algo tão vital

Que eu não me lembro como vivia antes disso


Os seus olhos escuros

Não há nada de especial,

Eufórico ou impetuoso

Entre nós


Olhá-lo, tocá-lo, vivê-lo

É voltar para a casa

É estar em mim

É essência.

domingo, 28 de novembro de 2021

Fantasia

É quarta mensagem

Eu ainda não entendi o que quer dizer

Há tantos papéis espalhados pelo quarto

E eu sou a atriz que os escolhe


Minhas cicatrizes cobertas com maquiagem

Eles aplaudem e se vão

Ninguém fica para me ver desfeita

Desembrulhada, jogada no chão


De saltos e joias

Pés calejados, corpo exausto

Os olhares embestados do público

E ninguém me perguntou como eu estava


Mãos diferentes passam por meu corpo

Copos diferentes passam por minha mão

Todos os dias um novo personagem

Todos os dias o mesmo roteiro


A chuva cai na minha língua

O gosto da água e da sujeira da cidade

O belo e o podre em minha boca

Vida e morte, eu sinto o gosto


Cabelos molhados, deixam meu rosto diferente

A roupa grudada em mim

Desvelando uma silhueta crua

Os pés enfiados numa poça de água suja


E eu me seco, me limpo,

Me escondo em tintas e tecidos

Para mais uma vez entreter

E receber aplausos de quem não me vê

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Nós sem nós

Tentei me afogar

Mas eu não conseguia respirar

Das coisas estúpidas que o meu corpo faz.


O grito do agoniado

Buscando a liberdade

A essência rompendo a pele

A parede aprisionado o corpo.


O desejo, a raiva, o medo

Dominando a vida

O cavalo adestrado

A cela, o vento.


De olhos nus

As mãos tateiam o chão

Descobrir, andar, viver.


Ar, paixão, ar

O gosto da brisa gelada na boca

Correr, andar, parar

Perspectiva.


Dor, a dor da agonia

O medo e a paixão

Dor e agonia

Falta e distância.


Tentei me afogar

Mas eu não conseguia respirar

Das coisas estúpidas que o meu corpo faz;

domingo, 5 de setembro de 2021

O Chão

 Nós andamos como se

A vitória fosse certa

E o fracasso impossível


Os olhos estreitos,

Os ouvidos abertos

E o peito tranquilo


Os pés fortes na terra

Os cabelos dançando com o vento


A estrada é escura

Andamos de olhos fechados

Confiando no chão


O orvalho e a chuva

Nos alimentam

Apenas quando temos fome


Ombro a ombro

Somos todos filhos

e pais da realidade


Somos um com o Todo

Somos um conosco

E o Todo um conosco é

sábado, 28 de agosto de 2021

Contato

 Seus pulmões pegavam poeira

Em cima da estante

Os olhos congelados

Numa jarra suja


Os ossos estavam agora sendo arrancados

Mas continuava inexpressiva

Uma expressão perdida

Num rosto seco, esquecível


O cheiro do corpo apodrecendo

Perfurando aqueles que a observavam

Seus olhos gritavam

Horrorizados e imbecis 


O medo, o solo, o sol, o pai


Não há o que tatear

Somos uma imensidão de vácuo


A pele se fez farelo

Que o tempo varreu

Ninguém dela mais se lembrou


E tudo o que usávamos 

Para nos definir

Foi aniquilado pelo futuro imediato

Como se nunca estivesse existido

Esvaiu-se

Como se nunca estivesse aqui





sábado, 27 de março de 2021

Navegação

Pés descalços deslizando por um chão liso e frio

As lágrimas entaladas atrás dos olhos 

Um suspiro tentando buscar pela vida

Que se esvaia ao se apresentar, o agora


Sou fabricada

Procurando o cru e a cerne

A carne e o sangue

A dor já não era sentida


Numa voz morta

Dando respostas desenhadas para não desagradar

E ninguém me via, nem mesmo eu

Mil grades em minha mente


As roupas desconexas

O olhar vagava de vácuo em vácuo


Passando a mão por minha pele

A sentia como se fosse ontem

A realidade se esvaia ao se apresentar

Onde está o agora?


Meus lábios, que foram traumatizados para dominar e seduzir

Estavam presos e confusos

Como um livro que se empoeira na estante

Recusando-se a abrir


Observo minha própria vida

Pela janela do outro

Morta pela expectativa

E pelo expectador


Fria como uma boneca sem ação

Perdida em meu labirinto

Pensamento sobre pensamento

Para não ver, ouvir ou sentir


A dor que se esvai ao se apresentar

O agora e o eu,

Mortos

Um silêncio morto


Num banquete de coroação

Via-se os meus ossos de quem tem fome

Mas recusava-me a comer

Acorrentada aos fantasma dos que sofreram comigo


Para morrer

Eu me sentia como se

Tivesse nascido para morrer

Enquanto vivo